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11/02/2008

Dênis Cavalcante

A mão esquerda

Entre dois males, escolho sempre aquele que nunca experimentei' ( Mãe West)

O personagem da crônica de hoje foi, é, sempre será, um dos meus maiores ícones jormalistico-literários. Infelizmente, a nova geração, (a velha também) nunca ouviu falar dele. Salvo Walmir Botelho, somente Paulo André Barata conhece suas obras, seus desatinos, seus porres homéricos, sua eterna inquietação.
Li e reli todos os seus livros – a maioria das suas crônicas. Fissurado, cheguei ao cúmulo de garimpar seus alfarrábios pelos sebos do Rio de Janeiro. A gauche - tal qual o título de seu mais famoso romance – À mão esquerda - Fausto Wolff caminhou pela contramão.
Menino pobre, filho de imigrantes alemães, ainda adolescente jogou tudo pro alto e foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. Bom de papo, boa pinta, bom de copo, em pouco tempo se enturmou. Fez-se jornalista (e dos bons). Durante sua lassa vida, escreveu em quase todos os jornais e revistas do País. De quebra, foi um dos sócios fundadores do Pasquim.
Concomitante, tornou-se um contista incomparável. 'O nome de Deus' é seu maior cometimento. Em 294 páginas, 10 contos curtos, Fausto Wolff disse tudo. Erudito, culto (falava fluentemente cinco línguas), errático, doidivanas, inconseqüente, revoltado, largou tudo e resolveu viajar pelo mundo. Quantos tiveram vontade e se acovardaram?
Anos atrás, tentei trazê-lo para a Feira Pan-Amazônica do Livro. Liguei insistente, até que um belo dia ele resolveu me atender. Adoentado, tentando sair do ostracismo, da cova rasa que ele mesmo se enfiou, peremptório, recusou o convite. Transcrevo 'ipsis literis' suas palavras: 'Sou um escritor maldito. Fora meus filhos, o JB (Jornal do Brasil), você e meu amigo Sérgio Mendonça, quem irá me ouvir, quem irá me ouvir?
Assim era Fausto Wolff. Ano passado tive o prazer de conhecê-lo. Fuçando raridades na 'Boca do Sapo' (um sebo na Visconde de Pirajá), /esbarrei num gigante ofegante. Era o alemão. Um palmo mais alto do que eu - a empatia foi imediata. Paternal, colocou a manopla no meu ombro e disse:
- És um guri tri-legal. Não consegui identificar teu sotaque – de onde vens?
Ao saber que morava em Belém, quis saber notícias de um antigo parceiro – Sérgio Mendonça. Papo vai, papo vem, me levou pra bebericar no Barril. Em menos de uma hora entornou cerca de meio litro de uísque. O único sinal de embriaguez eram as faces coradas, o suor porejando. Sorvi com sofreguidão seus relatos, viajei em suas viagens. Tava tudo tão bom que me esqueci das horas.
Foi a primeira e única vez que o vi.
No mês passado, ao abrir o site do JB Online, fui surpreendido com a noticia de sua morte. Contrito, li sua derradeira crônica (escrita na véspera). O título? 'A sombra do medo em flor' Como de costume, disparando farpas certeiras contra tudo, contra todos. Até o último momento, Fausto permaneceu fiel aos seus princípios – certos ou não. O começo da crônica era fulminante. 'Dêem a chefia de uma portaria ao mais dócil empregado e logo ele se tornará um tirano'
Alguém ousa desmenti-lo?
Com sua morte, o jornalismo perdeu um de seus ícones. Perdemos seu texto preciso, indignado, fluente, arrebatador. Para ele, não importava enfrentar cassetetes, balas de fuzil, tiros de canhão, um incomodo espinho. Pena que tenha partido sem ter conseguido realizar seu maior intento: banir de vez as injustiças, os descalabros, a corrupção.
No fundo, nas profundezas do seu ser, tenho certeza que ele sabia que sua missão era impossível.
Nada melhor que o tempo para tornar relativas as verdades absolutas.

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