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11/16/2007

Alcir. Quatro anos de saudade

Meu irmão Alcir morreu 38 dias antes do Natal.
Num dia como hoje, 17 de novembro, há quatro anos
Certamente foi para o céu – lugar reservado para os bons, para os justos, e puros de coração.
Meu irmão tinha problemas.
Praticamente não era responsável por seus atos.
Tinha problemas mentais.
Apesar da sua situação, era um bom menino.
Bom mesmo
Foi o primeiro rebento da nova relação de minha mãe.
Eu... Fui o último da primeira (e oficial) relação que... não deu certo.
Mas isso não interessa.
Muitas pessoas erram por amor.
Aliás, quem não erra?
Eu o conheci aos 12 anos, na primeira viagem que fiz com os meus pais adotivos a São Paulo;
Fomos primeiramente ao Rio de Janeiro, viajando pelo “famosos” DC4 da Paraense Transportes Aéreos.
Saímos de Val de Cans às sete horas da manhã e, precisamente às 18 horas e dezesseis minutos vi pela janelinha do avião o Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara tal qual o verso de Tom Jobim no “Samba do avião”... Ou seja, quase 13 horas de vôo passando por estes brasis até a Cidade Maravilhosa.
Após alguns dias no Rio, hospedados no Paulistano Hotel, na Visconde do Rio Branco, próximo a Praça Tiradentes, e depois de visitar alguns amigos, tomamos um ônibus super confortável da "Viação Cometa" na antiga rodoviária carioca – atualmente “Novo Rio” – na Rua Francisco Bicalho, quase esquina da Avenida Brasil e alguns quarteirões da famosa Praça Mauá, com destino à cidade de São Paulo.
Isso às nove horas da manhã.
Após oito horas de viagem contemplando a beleza – naquele tempo era bela! - Rodovia Presidente Dutra – ou Via Dutra – e passando por algumas cidades, eis que, quase à noitinha, o belo veículo ingressa numa dos boxes da antiga rodovia de São Paulo. no bairro da Luz.
Quem nos estava a esperar? Raimunda Costa Uchoa, ou simplesmente Dona Zizita “minha tia” – naquela época eu não sabia que ela era minha mãe; tomei conhecimento quando fiz 15 anos, ou seja, três anos após, que também já se foi – que colocou à nossa disposição um confortável automóvel e nos levou até à sua bela Casa na Alameda dos Guaianumbis, 1080 – Indianópolis,
Foi aí que eu conheci o Alcir – que soube depois que era conhecido como "Carlão" -, a Célia, uma linda menina loira de olhos azuis-esveredados e o Ricardo que ainda era um lindo garotinho... Meus queridos irmãos.
Fomos tratados principescamente.
Aliás, Dona Zizita tratava muitíssimo bem os seus visitantes.
Ficamos cinco dias em São Paulo.
Deu pra conhecer uma porção de coisas na bela - e mal tratada – megalópole, orgulho do nosso país.
Deu para observar – agora com precisão – que o Alcir gostava muito de discos. Tinha coleção daqueles velhos vinis de 78 rotações.
Alcir e Dona Zizita foram nos deixar na Rodoviária na volta ao Rio, ainda pela “Cometa”- a maior e mais importante transportadora rodoviária daqueles tempos.
O tempo passou.
Fui morar em São Paulo com o meu irmão Ari – o mais velho do primeiro relacionamento de minha mãe -, na Rua Alberto Willo, Planalto Paulista, quase esquina na com a Avenida Indianópolis. Três quarteirões da casa de Dona Zizita.
Por intermédio do Ari – que trabalhava na Contabilidade da Varig. Era chefe de sção - e do Almir, meu irmão do meio – que trabalhava na Fundação dos Funcionários da Varig, adquiri o meu primeiro emprego – CTB/FR – Contabilidade de Fretes e Encomendas, Auxiliar.
Na Carteira Profissional – extraviada no Rio de Janeiro – constava Real S/A – Transportes Aéreos. A Varig tinha acaba de comprar a antiga Real Aerovias.
Ia sempre na Casa da mamãe conversava com o Alcir...
Após algum tempo fui demitido da Varig.
Resolvi voltar para Casa.
Subi na Gerência Geral com a intenção de solicitar um GC (Cortesia).
A moça que me atendeu – a Priscila - uma morena espetacular, natural de Pirajuí – foi muito gentil e me apresentou ao Todo Poderoso Dr. Benedetti, gerente geral. Ele me ouviu e disse que não tinha problemas: iria autorizar um GC com a seguinte argumentação: ex-funcionário que volta para Casa. Uma forma, segundo ele, da Varig agradecer os meus serviços de quase três anos.
Só tinha coisa: como era “cortesia”... só poderia viajar se sobrasse lugar no avião. Eu teria que ir para Congonhas fazer o check-in e aguardar vaga.
Só havia dois vôos para Belém.
Um às sete da manhã – o pinga-pinga, isto é, pousava em tudo quando era cidade, a partir de São Paulo –; e outro que saia às 18 hs, o internacional, que vinha do Chile, passava por Sampa, Rio, Brasília, Belém, Manaus e Caracas.
Cismei de ir para o Congonhas à tarde.
Despedi-me de todo o mundo. Peguei a minha bagagem e me mandei.
Se não conseguisse passagem, tudo bem,
Caso contrário, retornava para a Alberto Willo. Era perto, podia ir a pé.
Dei sorte.
Aliás, dei muita sorte,
Fiz o check-in e a moça mandou esperar.
Menos de uma hora, a atendente solicitou-me a autorização - a ordem do GC, uma espécie de bilhete nas cores da Varig – examinou os documentos, colocou etiqueta na minha mala, e me falou: “Corre paraense que o avião já vai sair”.
Naquele tempo não tinha cartão de embarque.
Você apresentava apenas o canhoto do bilhete.
Apressei o passo e fui tomar o avião: um super "Convair Coronado", o avião mais moderno da época, cheio de frescura e luxo, que, como falei, vinha de Santiago do Chile.
O meu assento - nº 36B (janela) no meio do avião – já estava reservado. A comissária me levou até ele.
Para falar a verdade, fui o antipenúltimo a embarcar.
Cheguei em Belém às quatro e meia da manhã.
Foi uma surpresa geral,
Após isso, voltei a São Paulo mais quatro vezes,
Uma delas para participar de um Congresso Religioso (Mariápolis) realizado no Colégio D. Mota, no Ipiranga.
Em todas essas ocasiões fui visitar os parentes, mesmo que rapidamente.
Muito tempo se passou.
Há nove anos, nesta mesma época, aproveitando uma licença-prêmio e uma féria, resolvi levar a Telma para conhecer os meus parentes longínquos.
A moça me ajudou.
Compramos uma passagem para São Paulo pela Itapemerim, e duas passagens Rio-Belém pela Varig,
A nossa intenção era passar alguns dias em São Paulo, após o que, tomaríamos um “Cometa” para o Rio de Janeiro; visitaríamos a família do Ari, - que tinha falecido havia alguns meses antes em abril – em Campo Grande, e, em seguida, apanharíamos um avião de volta para casa.
Deu tudo certo.
Principalmente devido à ajuda do meu irmão Almir que, praticamente bancou todos os 19 dias que passamos em Sampa.
Inclusive.. ele e a Dolores, sua mulher (que se - e me - emocionou ao chorar ao telefone quando lhe transmiti a notícia, logo após o Alfredo me dar, da infausta notícia do falecimento do Alcir) – foram nos apanhar na Rodoviária do Tietê, nos indicaram o metrô que nos transportou até ao seu apartamento no Conjunto da Cohab. em Itaquera.
Dois dias após a nossa chegada, o Almir nos levou até a Rua Virgílio de Lemos, no bairro do Jabaquara, onde o Alcir a mamãe moravam.
Na realidade, o Almir – apesar da sua boa vontade – não chegou até à casa da mamãe. O problema na sua perna direita – e que, praticamente, o levou à sepultura – o impediu de subir o morrinho onde casa está localizada. Ele ficou alguns metros no início da subida.
A chegada, desculpem-me, foi inesquecível.
Vi o Alcir feliz da vida.
Ele veio me abraçar todo desajeitado, com vigor, com força. e disse que estava com saudades de mim.
Abraçou, educadamente, a Telma, sem antes dizer que eu tinha (tenho) bom gosto: “Você tem sorte cara... sua mulher, minha cunhada é muito bonita. Aldemyr você tem muito bom gosto”.
Em seguida fez questão de mostrar a sua coleção de discos do Roberto Carlos.
Ele tinha desde o primeiro: João e Maria.
Mamãe chamou a sua atenção para ele não nos cansar com aquelas coisas. Alcir respondeu que fazia exatamente 21 anos que não me via e, portanto, queria festejar o encontro... à sua maneira. Logo após rodou várias versões da música Theme cantada por Connie Francis, como forma de homenagear a Telma.
Depois ele colocou no velho toca discos uma música de Tom e Vinícius, interprretada por Elizete Cardoso: Eu sei que vou te amar
O disco era tocado sempre por ele e pela mamãe para se lembrarem de mim.
Aliás, a partir daquele momento passei a escutar sempre esta música. Já fazia antes, todavia, uma vez por outra.
Não demoramos muito.
Foi um erro.
Deveríamos passar mais tempo com ele.
Quando nos despedimos eu percebi uma lágrima em sua face muito branca e rosada caindo dos seus olhos de um azul forte e penetrante.
Ele não queria que nós saíssemos.
Queria – ele e mamãe – que nós pernoitássemos lá.
Mas... tínhamos outros compromissos.
Foi a última vez que eu vi o “Carlão”.
Não voltamos mais ao Jabaquara.
Na ida para o Rio, sofremos um pequeno acidente.
O nosso ônibus entrou na traseira de um caminhão à altura de São José dos Campos.
Era noite, muita chuva, foi um tumulto. Não houve vítimas graves, senão o motorista que teve um braço fraturado.
Mas a “Cometa” providencialmente arrumou um novo ônibus e, quase duas horas depois seguimos viagem.
Amanhecemos no Rio. Apanhamos um ônibus 766 (ainda me lembro) e nos mandamos para Campo Grande.
Seis horas da manhã, estávamos em Santa Margarida, em frente à casa do Ari.
Ninguém na rua
Toquei a campainha. Todo mundo dormindo.
A Natália, minha cungada, abriu a portinha da porta principal e perguntou quem era.
Eu respondi que era eu,
Eu quem?
Vem olhar!!!
Ela já invocada botou a cabeça para fora e deu um gritou: "Aldemyr... que surpresa...pô tu continuas moleque, palhaço... eu pensei que fosse outra pessoa, aqui a gente tem que ter muito cuidado..vamos entrando.Turma... o tio de vocês está aqui. Veio do Pará!”
Não precisa dizer que ninguém mais dormiu.
E foi festa nos três dias em que lá estivemos.
No retorno o meu sobrinho Ariovaldo nos levou de carro até o centro de Campo Grande,
E lá tomamos um táxi – de um amigo dele - até a Ilha do Governador, Aeroporto Internacional do Rio – atualmente Antônio Carlos Jobim - pegamos um "Boeing" da Varig e chegamos em casa às duas e meia da manhã.
Dois anos depois, estive em São Paulo para o enterro do Almir.
Aliás, por questão de justiça, com passagem dada pela então vice-prefeita Ana Júlia Carepa.
Alcir já estava na casa de repouso.
Não houve tempo de vê-lo.
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Como disse no início, o meu irmão Carlos Alcir Uchoa Rodrigues foi para o céu – lugar reservado para os bons, para os justos, e puros de coração.
Lamento profundamente de não estar mais perto dele
De conversar com ele, de ouvir as suas músicas, os seus papos, dos feitos do Corinthians, de levar um pouco de conforto... que ele tanto precisava.
Ele era uma criança.
Uma boa criança... grande.
Tinha os seus momentos alegres, tristes... quem sabe, lembrando do irmão mais velho... distante... talvez, com um pouco mais de sorte.
Meu irmão se foi... para sempre.
Foi, segundo minha tia Estrela, ao encontro de mãe, da nossa mãe.
Mais dia, menos dia vamos nos encontrar... para ficarmos juntos, bem juntos, o que não aconteceu nesta vida.
Ele se foi 38 dias antes do Natal.
Vai comemorar o evento ao lado dos anjos.
Puros como ele foi
Vou parar por aqui já que as lágrimas estão vencendo a minha comoção.
Tchau, maninho.
Perdoe a ausência – involuntária - e não ter podido ser o irmão que você esperava que eu fosse.
Mas você, assim como o Ari e o Almir, estará presente em todos os meus dias tristes, cansados e inúteis, como dizia Rui Barbosa
Que a terra continue lhe sendo leve.
Que Deus – o Todo, Único e Suficiente Salvador, como dizem os evangélicos; O Supremo Arquiteto do Universo, no entendimento dos maçons – o Pai Eterno O tenha em seu seio,
Descanse em paz, meu querido irmãozão.
Tchau Carlão.

Um comentário:

Ricardo Uchoa disse...

Ha pessoas que passam por esta vida e deixam saudades, por sua obra, caráter, ou simplesmente por sua empatia. O meu irmão Alcir foi uma delas. Todos que o conheceram lembram com saudades, do seu jeito amávem, carinhoso, uma eterna criança.Bela e merecida homenagem do jornalista Feio. Valeu!!!